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terça-feira, 12 de junho de 2007

Dressage

Poder-se-á dizer que a Dressage teve a sua origem há milhares de anos, quando o homem começou a utilizar o cavalo, uma vez que a palavra Dressage deriva d o verbo francês "dresser", que significa "adestrar". Mas a arte da equitação sofreu uma grande evolução há cerca de 2400 anos, com os gregos. Com efeito, Simão de Atenas e Plinius, escreveram sobre equitação e, embora ambos os escritos tenham desaparecido, Xenofonte, outro equitador grego da antiguidade, presumivelmente nascido no ano de 430a.c., refere-se a eles nas suas obras, os mais antigos tratados de equitação conhecidos.

Os antigos gregos foram os primeiros a preocuparem-se com o ensino dos seus cavalos na preparação para a guerra. Era esta a cultura que acreditava que nada podia ser obtido correcta e harmoniosamente sem a restrita obediência às leis do universo, sujeitando o cavalo alegremente e com orgulho à vontade do cavaleiro, sem qualquer prejuízo para os seus andamentos naturais. Não usavam arreio de dorso ou estribos, mas os historiadores estão convencidos que usaram bridão articulado.
Os homens de Xenofonte, em combate, montavam garanhões por estes demonstrarem serem mais corajosos e de maior aptidão para as piruetas, para saltar, para voltar, e para se deslocarem sobre movimentos laterais.
Xenofonte não aprovava a colocação em sela adoptada pelas tribos nómadas da Ásia, tendo, no entanto, sofrido influência de várias culturas, pelo facto de, dado o tempo que permaneceu em combate, ter tido contacto com muitos estilos de monte. Extraordinariamente, muito do que Xenofonte escreveu, mantém-se actualizado.
Os romanos conquistaram a Grécia em 146a.c., e herdaram muito do seu amor pela beleza estética e simetria, demonstrados na cerâmica, mosaicos, estátuas equestres, pontes e aquedutos. Infelizmente, nada que tenha sido publicado, que referencie com exactidão os antigos equitadores romanos, chegou aos nossos dias. No entanto, sabe-se que inicialmente apenas utilizavam o cavalo para tracção, e que depois de os soldados apeados terem sido seriamente derrotados pelos cartagineses, montados em cavalos ibéricos, e pelos exércitos de Anibal, montados em cavalos norte africanos, adoptaram o estilo de combate Ibérico, tendo a transição da infantaria para cavalaria sido obtida com um enorme sucesso, pela mão dos principais percursores: o general romano Cipião (202a.c.) e o imperador romano Marco Aurélio (161-180 a.c.).

A forma de combate Celtibérica adoptada pelos romanos, incluía o uso de cavalos similares montados com freio e barbela e armamento ligeiro. Assim como os gregos, utilizaram uma colocação em sela bastante clássica, procurando uma boa ligação ao movimento do cavalo bem sentado sobre os curvilhões. É interessante notar que os grandes mestres do nosso tempo, ainda se referem à escola romana como referência a uma elevada concentração e ágil forma de montar, baseada na ligeireza.

O ensino clássico passou por um grande interregno quando os romanos caíram nas mãos dos bárbaros em 410d.c.. Durante os anos negros da Idade Média, os europeus procuraram utilizar cavalos de grande massa, frios e compactos, transportando pesado armamento, na procura de supremacia. Foi usada toda e qualquer tipo de embocadura imaginável, que aumentasse o controlo sobre o cavalo. Naturalmente, a manoberalidade do cavalo foi perdida, e não havia tempo para ensinar adequadamente os cavalos.
Apesar das invasões dos cavaleiros árabes e da subsequente ocupação de Espanha e de Portugal, a influência da escola romana nestas regiões, permaneceu intacta. Os conflitos, que duraram cerca de sete séculos, não afectaram a monte à gineta (tronco direito, joelhos dobrados, e uma posição em equilíbrio), que é hoje adoptada nas modernas pistas de Dressage.
A mais notável influência da escola romana na Península Ibérica é a tradição das corridas de toiros, e o ensino de alta escola demonstrado pelos cavalos na arena das praças de toiros.

O período renascentista, originado em Itália e expandido por toda a Europa, devolveu ao ensino o seu merecido valor. Com a introdução das armas de fogo ligeiras, os chefes de cavalaria tiveram que repensar a forma de conseguir uma eficaz aproximação ao inimigo. Em 1502 os espanhóis, ao invadirem toda a região de Nápoles, Sicília e Sardenha, levaram consigo os seus cavalos e, cerca de cinquenta anos depois, o cavalo napolitano tornou-se mais leve, agradável, e mais dócil.

Com a influência dos espanhóis, veio também a monte à gineta. Assim, em detrimento de outras raças, foram preferidos os cavalos espanhóis, berberes e lusitanos, pela sua habilidade para os ares altos. O piaffer proporcionava as condições ideais de impulsão para um arranque repentino; a levada, uma paragem de elevada concentração, em equilíbrio sobre os posteriores, para voltar ao chão com um golpe de sabre, ou o disparo de uma pistola, ou ainda como táctica de evasão; a pirueta podia ser usada para voltar contra o inimigo ou para fugir dele; a curveta , que projecta o cavalo bem alto no ar, podia facilmente dispersar a tropa apeada; a capriola, um enorme salto gigante para o ar, seguido de uma distensão enérgica dos posteriores, era uma forma eficaz de escapar às frentes compactas da infantaria. As passagens de mão eram de absoluta necessidade para garantir a mobilidade e o equilíbrio do cavalo no campo de batalha. A escola romana tinha completado o círculo, e estava de volta a casa.
Nessa época, Frederico Grisone , um nobre Napolitano, estudou os ensinamentos de Xenofonte e nele se baseou bastante para a elaboração dos seus escritos. Em 1532 cria, em Nápoles, aquela que se considera ser a primeira academia equestre civil. No entanto, usou a força para sujeitar o cavalo, e inventou muitas embocaduras severas para pôr os seus princípios em prática.

A Grisone sucede Pignatelli na direcção da Academia de Nápoles, o qual teve diversos alunos de renome, tais como Pluvinel , La Brove e Sto. Antoine , em França, Vargas em Espanha, e Lohneysen na Alemanha.Felizmente para todos os cavalos (e cavaleiros), os métodos cruéis de Grisone e dos seus pupilos foram ultrapassados pelos ensinamentos de Pluvinel. Foi Pluvinel (1555-1620) que defendia, no seu livro 'Manege du Roi', que cada cavalo era um caso, e que o seu ensino deveria ser mais humano. O seu livro foi inicialmente ridicularizado, mas após algum tempo, os seus princípios acabaram por ser adoptados por muitos.
Entretanto, no início do século XVIII a equitação era quase exclusivamente influenciada pelos franceses. A Escola de Versalhes foi o nome dado à equitação da Corte Francesa, promovida, em todo o seu esplendor, por Luís XIV. Durante o seu reinado, os seus mestres, conhecidos como “ecuyers”, publicaram grandes obras. De todos esses mestres, o mais notável foi Francois Robichon de La Gueriniere (1688-1751), cuja obra “Ecole de Cavalerie”, foi publicada em 1729.No seu livro, La Gueriniere preconizava o uso da espádua-a-dentro na linha direita, como forma de levar o cavalo a fazer a abdução da perna de dentro, e o uso da meia-paragem com a elevação e cedência da mão do cavaleiro, por forma a conseguir o aliviar do ante-mão do cavalo e manter a boca do cavalo em constante descontracção.Foi o primeiro livro de fácil leitura, tornando acessíveis os princípios e os ensinamentos para qualquer cavaleiro. Os seus ensinamentos são a base fundamental para aquilo que é hoje a equitação clássica, e são aplicados, sem alterações, na Escola Espanhola de Viena, devido à influência de Max Ritter von Weyrother , equitador chefe da Escola no princípio do Século XIX.
Um contemporâneo de La Gueriniere, o inglês William Cavendish , Duke de Newcastle (1592-1676), contribuiu para o desenvolvimento da equitação clássica no seu país, executando uma equitação de elevada concentração, tanto dentro do picadeiro, como no exterior.
O lugar de “ecuyer en chef” da Escola de Cavalaria de Saummur, fundada em 1771, era bastante cobiçado, e a principal causa de conflitos e divergências entre o Conde D'Aure e Francois Baucher. A posição foi concedida ao Conde d'Aure (1799-1863), o primeiro a preconizar o trote médio e largo, o salto, e outros trabalhos de Dressage no exterior. A filosofia de Baucher era a de uma equitação de maior concentração, como a da Escola de Versailles, e mais virada para a alta escola demonstrada no circo. Escreveu diversos livros influentes sobre equitação, e foi o mentor das “passagens de mão a tempo”.É Interessante o facto de James Fillis , um aprendiz inglês de um dos alunos de Baucher, que também se dedicou ao circo, ter ambicionado o mesmo cobiçado lugar em Saummur, e o mesmo ter-lhe sido recusado. Tanto Baucher como James Fillis, foram ainda autores dos mais artificiais andamentos, tais como o “ galope retrógrado”, o “passo espanhol” e o “galope sobre 3 membros”. Os seus seguidores eram cativados pelas suas actuações, e muitos tentaram aplicar os seus métodos nos seus cavalos militares. A influência dos dois ainda persiste nos dias de hoje em algumas escolas de equitação europeias que ensinam estes exercícios.Durante a sua estadia na Rússia, James Fillis impressionou de tal forma o Grand Duke Nicholas, que lhe foi oferecido uma cargo para instruir a Cavalaria Russa, o que provavelmente contribuiu largamente para o sucesso dos Russos nos Jogos Olímpicos dos anos sessenta.
Infelizmente, para os franceses praticamente tudo se perdeu aquando da revolução francesa. De qualquer forma, as várias Cortes e Academias de Equitação europeias sofreram diversas influências dos mestres daquele tempo, como Baucher e Plinzner na Alemanha, que dava ênfase à encurvação dos seus cavalos.
A forte herança clássica da Escola germânica estava intrinsecamente ligada à da Áustria e da Hungria, uma vez que foram regidos pela mesma Coroa Imperial. A Alemanha esteve sob convulsão política durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-48), e a necessidade de um cavalo superior para o combate inspirou os alemães a usar mais sangue quente no seu processo de selecção. No final do Século XVIII, os alemães decidiram que os requisitos do cavalo de Guerra eram os seguintes: velocidade, para as cargas a galope; obediência, para a concentração e agilidade no combate individual frente-a-frente; e segurança no galope sobre o terreno variado. Foi este compromisso com as necessidades da equitação para a guerra, que fez com que os alemães, influenciados por Gustave Steinbrecht (1808-1885), desenvolvessem uma bem organizada e sistemática abordagem da equitação, à qual se deve o seu enorme sucesso competitivo nas pistas de Dressage nos dias de hoje.

No início do Século XX, as chefias militares chegaram à conclusão ser necessário adoptar um novo método de equitação de exterior por forma a instruir um grande número de novos cavaleiros e cavalos, pois o ensino clássico consumia muito tempo. A solução surgiu com o Oficial italiano Frederico Caprilli (1868-1907), que demonstrou ser vantajoso encurtar os estribos e avançar o tronco, aliviando o peso do assento sobre o arreio. Criou-se uma grande confusão nos países de língua inglesa, tendo sido a Inglaterra e a Irlanda os últimos dois países a aceitar esta monte, dada a grande paixão que nutriam pela caça e pelas corridas, nas quais era utilizada ainda uma monte de assento recuado.

Na história moderna, o desenvolvimento da Dressage e do concurso completo de equitação ficou a dever-se, não só à necessidade que a cavalaria teve, de levar os seus cavalos a percorrerem grandes distâncias em circunstâncias adversas, e ainda utilizarem-nos em cerimónias militares, mas também ao facto de os carros terem deixado de ser puxados por cavalos, e os carros de combate terem substituído os cavalos, o que levou a substanciais desenvolvimentos dos eventos equestres.

O Salto de Obstáculos foi a primeira modalidade a ser incluída nos Jogos Olímpicos, em Paris, em 1900. Em 1906, no Comité Olímpico Internacional (IOC) em Atenas, o Conde Clarence von Rosen, “Master of the Horse” do Rei da Suécia, sob as orientações do Presidente do IOC, Pierre De Coubertin, propôs formalmente que se incluíssem as três disciplinas equestres nos Jogos Olímpicos. O IOC aceitou a proposta de Rosen, mas só 12 anos depois, em 1912, nos Jogos Olímpicos Estocolmo, a Dressage e o Concurso Completo de Equitação foram incluídos. Desde então, estas três disciplinas fizeram parte dos Jogos Olímpicos, sofrendo algumas modificações. As reprises das provas de então consistiam em transições de andamentos concentrados e alargamentos, recuar, voltar sobre o post-mão, quatro passagens de mão sobre uma linha direita, e saltar cinco pequenos obstáculos, um dos quais era um barril a rolar em direcção ao cavalo. Em 1932 foi introduzida, nos Jogos Olímpicos, a pista de 20X60 metros com letras a servirem de marcas.

É de mencionar que até 1952, só cavaleiros masculinos, Oficiais de Cavalaria, participavam nos Jogos Olímpicos. A partir de 1952, por decisão do IOC, estas restrições foram levantadas e foi dada a oportunidade de participação, tanto a cavaleiros civis como a mulheres, sujeitos às mesmas regras e critérios de avaliação.

A primeira participação olímpica portuguesa em Dressage deu-se nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948, e contou com a participação de Fernando Pais com Matamás, Francisco Valadas com Feitiço (cavalo que participaria em mais dois Jogos Olímpicos), e Luís Mena e Silva com Fascinante, tendo sido obtida a classificação de 10º, 11º e 15º lugares respectivamente, e a medalha de bronze por equipas.
A Federação Equestre Internacional (FEI), fundada em 1921, é o órgão regulador do desporto equestre, constituída por 135 países membros.

A arte da Dressage é muitas vezes comparada com o ballet. Como desporto de competição, desafia o cavalo e cavaleiro a procurar um elevado nível de precisão e harmonia. Ambos executam exercícios em todos os andamentos, amplitudes de passada, e níveis de concentração. Estes exercícios requerem um enorme esforço e energia. O objectivo é o desenvolvimento harmonioso das capacidades físicas do cavalo, resultando num cavalo calmo, confiante, suple e flexível longitudinal e lateralmente. O cavalo tem que estar em perfeita confiança e entendimento com o cavaleiro.

A competição desenrola-se numa pista de 20 x 60 metros, com 12 letras a marcar pontos específicos ao longo da vedação, indicando o local preciso no qual o cavalo inicia ou termina um determinado exercício. Quanto mais finura tiver o cavaleiro, mais discretas serão as ajudas transmitidas ao cavalo. Alguns cavaleiros parecem estar em telepatia com o cavalo. A classificação final é dada em percentagem, e o cavalo com a maior percentagem será o vencedor. Um a cinco Juizes avaliam o desempenho do conjunto. As pontuações vão de zero, se o exercício não for executado, a 10 se o exercício for executado de forma excelente. Alguns exercícios são multiplicados por factores de 2, 4, ou 6. Os Juizes também dão notas às chamadas “notas de conjunto” para os andamentos, impulsão, submissão e posição do cavaleiro. Estas notas, geralmente são baseadas na impressão geral da execução da reprise.
No entanto, seria interessante, para os actuais cavaleiros de Dressage, reflectir sobre o facto de que Alois Podhajsky e Nuno de Oliveira, dois grandes mestres do Século XX, terem estado profundamente preocupados com a possibilidade de a estrutura das reprises para a competição, o sistema subjectivo de julgamento das provas, e a pressão sobre a o rigor das notas, relevasse para segundo plano a ARTE, no seu sentido mais clássico.

As importantes vozes de Xenofonte, La Gueriniere, e Baucher e tantos outros ecoam por 2500 anos de experiência e arte, como única forma de atingir a ligeireza, o equilíbrio, e a harmonia, para progredir metódica e humanamente, e manter o cavalo alegre e orgulhoso do seu trabalho.

Bibliografia:
- Sylvia Loch, Adaptação de Leslie A. Neumann: DRESSAGE, THE ART OF CLASSICAL RIDING. 1990. North Pomfret , Vermont , Trafalgar Square Publishing.
- Horse Previews Magazine website. Posted on 4/2/98
- VIRTUALLY HORSES. Dressage – The history of Classical Riding

3 comentários (Dê a sua opinião):

Muitos parabéns pelo texto, muito interessante, no entanto parece-me que o Mestre Nuno de Oliveira também deveria ser referido, de qualquer forma parabéns.

Parabens pelo texto, está muito interessante, no entanto noto a ausência de qualquer referência ao Mestre Nuno de Oliveira, de qualquer forma parabéns

Nuno Oliveira foi reconhecido e aclamado em todo o mundo como o último grande Mestre da Equitação Clássica. Dizia-se que ele personificava a passagem duma era: uma idade de ouro da equitação académica e artística que começou com De la Gueriniére e que no século IXX teve como expoente máximo François Baucher, que era quem ele mais admirava.

Nuno de Oliveira não era apenas um grande instrutor, cavaleiro e treinador, era também uma pessoa extraordinária. Verdadeiramente excepcional no que à equitação dizia respeito era altamente considerado no nosso país e foi duas vezes condecorado pelo Governo Português. Era também aceite e reconhecido por Chefes de Estado, políticos e diplomatas em todo o mundo.

Por puro talento, total autodisciplina e genuíno amor pelos cavalos, juntamente com uma compreensão e visão do seu potencial, Nuno de Oliveira atingiu a excelência.

Era difícil imaginar Nuno de Oliveira sem ser a cavalo. Apesar da passagem dos anos, Mestre Nuno nunca alterou a sua rotina espartana de trabalho. O seu dia começava com os cavalos novos às 05H30 da manhã; depois seguiam-se infindáveis lições com alunos internos e estrangeiros com as correspondentes sessões de ensino concentrado. Ao anoitecer tinha concluído mais trabalho do que a maior parte das pessoas consegue executar durante uma semana. No entanto, depois de tudo isto, com um copo de whisky e o inevitável cigarro, o Mestre ainda tinha tempo para conversar e discutir o seu trabalho com extremo encanto e cortesia.

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