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terça-feira, 4 de julho de 2023

…da terra


Tal como em muitos outros locais deste país, o epíteto “da terra” também é muito utilizado por cá! Seja a faia, a batata, a viola, o cão barbado, a aguardente, a pimenta, o toiro ou os toureiros… Esta designação dá uma certa afectividade e quase propriedade ao sujeito a que se associe. Falar em afectividade, nem sempre tem um significado positivo. Em muitas situações, e a tauromaquia não é excepção, quanto mais pequeno o meio (a dita terra) maior é a rejeição daquilo que lhe pertence.

As palavras Terceira e Tauromaquia são indissociáveis (por mais que muitas cabecinhas neo-iluminadas procurem reverter o equilíbrio desta equação!) e, em resultado deste facto, muitos têm sido os nomes que ao longo de séculos vão surgindo cá “na terra”, sejam ganaderos, bandarilheiros, forcados, cavaleiros… e até um matador! É certo e sabido que termos água a rodear-nos por todos os lados dificulta a ligação entre os “da terra” e os “lá de fora” ou “aquilo lá fora” e, dessas dificuldades, surgem aspectos como a menor (ou nenhuma) experiência e/ou qualidade. Toda esta teia cria um conflito em cada pessoa “da terra”: a solidariedade interior que leva ao desculpar de eventuais falhas por parte dos nomes “da terra”, resultantes da tal “menor experiência”, transforma-se em pena, para depois colidir na crítica fácil e desdém sempre à procura de apontar a “menor qualidade” dos nomes “da terra”.

Lançada a confusão, chegamos aos dias de hoje! Mesmo nos dias de hoje, muitos aspectos continuam iguais aos dias de ontem: a rejeição daquilo que é “da terra”! Actualmente, a ilha Terceira conta com ganadarias de grande qualidade, que procuram melhorar cada vez mais o seu efectivo, dois grupos de forcados cujos nomes estão entre as referências nacionais, bandarilheiros entre os melhores do país e dois cavaleiros de alternativa, no ativo, que não defraudam qualquer cartel onde sejam colocados, seja em que praça for! É possível montar uma corrida (ou mais!) com um cartel composto apenas com nomes “da terra”! Sabendo-se destes factores, de antemão, continua a haver a tal rejeição…

Não se pretende com estas linhas que as pessoas “da terra”, e os aficionados em particular, percam o seu sentido crítico e passem a aceitar tudo e a olhar com bons olhos, apenas porque é “da terra”. Não há aqui, de todo, um culto regionalista obsessivo, bacoco e cego na defesa do que é “da terra”! A intenção é apenas fazer com que se pense, nem que seja por um segundo, que os intervenientes que são “da terra” têm qualidade e não devem ser rejeitados só porque sim. Reforçando o que foi referido em cima, quem não se lembra de toiros inesquecíveis pela sua bravura, quer na nossa Monumental, quer “lá fora” e a serem premiados por isso? Forcados a arrancarem grandes pegas e a ganharem todos os troféus? Bandarilheiros a agradecer de montera em mão? Cavaleiros a disputar e a triunfar em muitas das corridas em que participam, com quadras de “primeira água”? Eram todos da terra e aconteceu, tal como continuará a acontecer…. Seja “cá na terra” ou “lá fora”!

Não nos podemos fechar, se queremos evoluir e continuar a par do que se passa “lá fora”. É fundamental que tenhamos entre nós todas as figuras deste mundo que nos encanta a todos. Ninguém o está a rejeitar! Seria impossível! Mas, acima de tudo, que se continue a respeitar os que cá andam a manter a chama da tauromaquia viva através da sua dedicação e desempenho e, que não se franza a testa e se perca o ímpeto de assistir a que espectáculo for, só porque no cartel aparecem nomes… DA TERRA!

Bruno Bettencourt


segunda-feira, 3 de julho de 2023

Corrida das Festas da Praia 2023




 

domingo, 2 de julho de 2023

Toiros de sobra e ouro nas mãos de Belerique – Crónica da terceira Corrida da Feira de S. João 2023


Dúvidas houvesse, a afluência de público aos eventos de Feira de S. João 2023 (espectáculos de “tauromaquia popular” incluídos) são a prova da vitalidade da Festa Brava nesta ilha que é o Coração da Tauromaquia Atlântica. A anunciada “Grandiosa Corrida Mista”, modelo do agrado da afición local, não foi excepção: 3/4 de praça para assistir aos desempenhos de António Ribeiro Telles, Luís David Adame, Joaquim Ribeiro “Cuqui” e do Grupo de Forcados Amadores da Tertúlia Tauromáquica Terceirense. A completar, os elementos centrais de toda esta equação que vieram da Caldeira Guilherme Moniz, ostentando ferro e divisa da ganadaria terceirense de Rego Botelho.

Comecemos pelo curro: seis exemplares de grande apresentação e seriedade. Manejáveis, revelando bom comportamento, destacando-se com menos brilho, o quinto da ordem. E se apenas um toiro é destacado por um menor desempenho, há que dizer que, no caso dos restantes, por vezes sobrou toiro…. Tanto que se pode e podia ter feito com as sobras…

Em melhor plano do que na primeira Corrida da Feira, António Telles abriu praça com uma lide que a espaços foi chegando à assistência. Diligente na escolha de terrenos, foi corrigindo a mão, alcançando cravagens de boa nota e com verdade. Frente ao quarto da ordem, ao qual cravou à porta-gaiola, esteve num patamar superior. Tirou partido do toiro e foi cravando em terrenos de compromisso com destaque para o 2º ferro curto, ao estribo e à boa maneira portuguesa. Quando a lide caminhava para o final, pediu autorização e chamou à praça o outro António, o filho que era seu “sobressaliente” na corrida. Uma surpresa para a assistência e um momento bonito, apanágio dessa universidade que é a Herdade da Torrinha. Pena as cravagens não terem resultado em pleno e no ritmo expectável. Terão pecado pelo prolongamento da função, apesar de se perceber o entusiasmo. No final, um “Centurion” (nº2, 495Kg) que muito jeito teria dado às tropas de César: aguentou a cravagem de 11(!) arpões e nunca virou a cara, investindo sempre de forma franca.

Pegas do GFATTT frente a toiros sérios. Francisco Matos resolveu à quarta tentativa, a sesgo e com ajudas carregadas, após tentativas em que aguentou duros derrotes por baixo de um sério “cinqueño” que foi aprendendo e descompondo o grupo. Bernardo Belerique havia de trazer a chave dourada para trancar em beleza esta Feira dos 50 anos do “grupo da tertúlia”. Uma pega daquelas que não se esquecem: saída pronta do toiro, o forcado a aguentar-se e a fechar-se no momento certo. Uma vez mais, Fernando Ferreira “Mangueira” a mostrar o porquê de ser um primeiro ajuda de referência na forcadagem deste país: no momento certo, e irrepreensível, a possibilitar o consumar de uma pega de querer. Após ser levado até às tábuas, o forcado da cara aguentou a fuga do toiro que pareceu interminável, até o grupo se fechar de forma triunfal. Duas voltas para Belerique, sendo acompanhado na segunda, a pedido da assistência, pelo “bom gigante” Fernando Ferreira.

Luis David Adame pisou a arena angrense 15 anos depois do seu irmão Joselito. O Matador mexicano mostrou recursos com o Capote, quer na lide dos seus toiros, quer indo ao quite nos toiros do companheiro de cartel. Verónicas, Chicuelinas, Largas de Joelhos, Tafarellas, Calecerinas e Zapopinas foram desenhadas pelo capote de forro azul-celeste. Bastante desluzido com as bandarilhas, empenhou a muleta e começou, por Derechazos, a traçar uma lide que teve momentos de interesse e temple artístico, ficando as vistosas Manoletinas com que encerrou. Ficou por explorar com mais afinco o lado esquerdo do oponente. Frente ao segundo do seu lote, destaca-se o desempenho de João Pedo Silva, com dois grandes pares de bandarilhas e de Diogo Coelho com igual prestação empunhando a parelha de ferros. O Matador baseou a (quase) lide na mão direita. A registar a entrega do matador que, apesar de tudo, não conseguiu séries com grande ligação, mercê de um exemplar que saía desligado. O toiro foi escolhendo os terrenos e o Matador acabou a citar à porta dos curros, terminando com pouca história.

Joaquim Ribeiro “Cuqui” procurou meter-se na disputa pelo triunfo, nesta sua apresentação de “luces” em Angra do Heroísmo. Com o Capote, entre outros lances já referidos acima, destaca-se a quietude e o poder das suas Verónicas. Compartilhou o tércio de bandarilhas com Fernando Fetal que esteve na ilha Terceira para prestar prova de Alternativa de Bandarilheiro. Fetal esteve superior no primeiro e terceiro par cravado. Cuqui deixou boa nota, explanando a plasticidade do seu toureio. Lidou por ambos os lados, destacando-se uma bonita e cingida série de Naturais. A cada passe foi ficando cada vez mais profundo e templado, diante de um toiro que se entregou de pronto e com recorrido, a pedir mais. Diante do último exemplar da corrida, esteve desinspirado com as bandarilhas, recorrendo a um último par "de violino" para procurar compensar os lapsos anteriores. Na saída do tércio, não se livrou de um momento de apuro, tendo sido levado por terra diante das hastes do oponente. Terá sofrido um “puntazo” no glúteo direito. Não acusou o toque. Mostrou recursos toureiros, indo de encontro ao que de melhor tinha este “Czar” (nº98, 533Kg) de Rego Botelho. Lide variada com as duas mãos a fazer soar tímidos “Olés” na assistência. No final, recolheu à enfermaria pelo próprio pé.

Corrida dirigida por Mário Martins, sendo assessorado pelo médico veterinário Vielmino Ventura. A abrilhantar, brilhantemente, a Banda da Feira de S. João sob a batuta do Maestro Durval Festa.

Uma nota para a organização desta Feira de S. João 2023, a Tertúlia Tauromáquica Terceirense em parceria com a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo. Uma feira bem montada e triunfal em termos de assistências registadas, mantendo-se como um certame de referência no panorama taurino nacional e renovando o constante pulsar deste Coração da Tauromaquia Atlântica.

Oportunamente serão anunciados os nomes dos vencedores dos troféus da Feira: Bravura, Apresentação, Melhor pega, Melhor lide a Cavalo, Melhor lide apeada e Triunfador da Feira.

Bruno Bettencourt
Foto:
Fernando Pavão


 

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