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domingo, 15 de maio de 2011

Toiros de topo

Publicado a 15 de Maio de 2011


Diz quem percebe que os toiros da ganadaria Rego Botelho, agora nas mãos de José Baldaya, poderiam ser corridos em qualquer praça do mundo. Animais apurados, são resultados de um trabalho longo e rigoroso. diXL esteve à conversa com o ganadeiro sobre toiros de lide, a corrida no Campo Pequeno e a sorte de varas.



Faltam já poucos dias para que José Baldaya Rego Botelho veja mais um sonho cumprido. Os seus toiros, que aguardam alheios na Herdade do Zambujeiro, em Évora, serão lidados na Monumental do Campo Pequeno. A praça, que comemora no próximo dia 19 de maio o quinto aniversário da sua reinauguração, acolhe pela primeira vez um curro nascido nos Açores, num espetáculo que estará a cargo de nomes grandes da tauromaquia como os cavaleiros Joaquim Bastinhas, Luís Rouxinol, e os matadores António Ferrera e Alejandro Talavante. O dia será com certeza de festa, mas aguardar com calma e ponderação é o truque para evitar inquietações antes da hora.

É por isso que o ganadeiro se diz tranquilo. A corrida será uma estreia, um marco na história desta ganadaria e da tauromaquia terceirense, mas José Baldaya é cuidadoso nas palavras e prefere não se alongar em prognósticos. "Será, pelo menos, um momento importante para mim se a corrida correr bem e se for um êxito. Estou confiante, ainda não estou muito nervoso, embora saiba que toiros não são matemática e que às vezes as coisas não correm como esperamos", sublinha.

José Baldaya, empresário agrícola, proprietário de gado bravo, gado leiteiro e de engorda, é um aficionado por tradição e hereditariedade. A maior parte do seu tempo é passada na Caldeira Guilherme Moniz, onde os animais pastam pacificamente. É um gosto que também já passou às suas duas filhas. Maria Rego Botelho é já também presença conhecida no mundo da tauromaquia regional.

A ganadaria que hoje dirige, de divisa azul e branca, foi um trabalho iniciado pelo pai, Gaspar Baldaya, em 1953, com a aquisição de reses de Castro Pereira, acrescentada mais tarde, em 1960, por vacas de Dinis Fernandes e um semental de José Pedrosa. Em 1979, a ganadaria aumenta com a compra de sementais e vacas de Ribeiro Telles, Rio Frio e Lupi, Oliveira Irmãos e Brito Paes. Mais tarde, são acrescentadas vacas de Simão Malta e vacas e sementais de Jandilia. Segundo José Baldaya, é com esta última aquisição que a ganadaria dá o salto qualitativo de que precisava, ganhando ainda maior notoriedade. "Com a compra que fizemos em Espanha há 18 anos e com o bom comportamento que os nossos toiros têm apresentado em praça quando lidados por toureiros espanhóis de renome, que depois acabam por passar a palavra, não só se torna mais fácil a contratação de grandes figuras como a ganadaria ganha também o seu espaço no mundo da tauromaquia", adiantou o ganadeiro.

A verdade é que ao longo dos tempos a ganadaria Rego Botelho tem proporcionado espetáculos de topo, sobretudo nas últimas edições da Feira de São João, em que ofereceu momentos de êxito a grandes nomes da afición como os matadores espanhóis Manuel de Jesus "El Cid" e Júlian Lopez "El Juli". Os seus toiros, tal como se lhes é exigido, investem com qualidade e facultam um toureio dinâmico, bonito e exigente. "É essencial que o animal, ao longo da lide, vá crescendo e não diminuindo, facilitando o toureio que as pessoas gostam de ver", frisa o ganadeiro José Baldaya.

O resultado de um trabalho intenso e minucioso são toiros que poderiam ser corridos em qualquer praça do mundo taurino. A qualidade dos animais é inegável e é o produto de uma seleção apertada. As tentas dos Rego Botelho decorrem ao mesmo nível que qualquer outra ganadaria do primeiro plano em Espanha. As vacas que não interessam, e seguindo a linha de pensamento e actuação de José Baldaya, são abatidas.

Mas os percursos não são sempre lineares e a verdade é que não existem ganadarias sem problemas, negócios sem preocupações. A grande apreensão dos herdeiros da ganadaria Rego Botelho continua a ser a paratuberculose, uma doença infecciosa que atinge os bovinos provocando-lhes, por vezes, a morte. As zonas húmidas da ilha, onde pastam os animais, são propícias à propagação da doença. Depois, as raças mais apuradas são também mais suscetíveis de contrair a doença. "Suponhamos que num ano tentamos 20 vacas e que dessas 20 aprovamos 10. Dessas 10 são capazes de morrer quatro ou cinco, pelo que o problema da mortandade é realmente grave", adiantou.

As preocupações com uma ganadaria são muitas e parecem multiplicar-se a cada dia. No entanto, a competição entre ganadeiros ainda não é uma delas. O número de ganadeiros de toiros de lide na ilha ainda não é significativo, pelo que Rego Botelho consegue marcar confortavelmente o seu espaço na liderança tauromáquica. Todos os anos, a ganadaria arrecada prémios sem fim, perante a plateia atenta na praça de Angra do Heroísmo. O concurso de ganadarias consegue sempre encher a Monumental da ilha Terceira de aficionados entusiasmados que torcem pelos seus animais e ganadeiros favoritos. José Baldaya Rego Botelho é um deles.



"A sorte de varas é essencial"

Apesar do gosto manifesto pela festa brava, é mesmo na praça que quer ver os seus toiros. O desenvolvimento e evolução da ganadaria Rego Botelho têm decorrido sempre no sentido do aperfeiçoamento dos toiros que são corridos em praça. José Baldaya diz-nos, aliás, que se por alguma razão deixasse de ter toiros de lide, provavelmente desapareceria também a ganadaria. "Os toiros de corda são só uma achega", diz-nos.

Para José Baldaya há, neste momento na Terceira, alguma incompatibilidade entre os toiros de lide e os toiros de corda. O ganadeiro defende o abate do toiro que na praça não cumpre, que não investe. No entanto, são esses os toiros que são utilizados vezes sem conta, nas ruas da ilha, tendo em conta o preço a que se ofereçam as touradas e não a qualidade do espetáculo. "A maior parte do que se vê por aí não tem interesse nenhum", sustenta. E o herdeiro da ganadaria da divisa azul com as insígnias RB prefere não correr esse risco.

Este ganadeiro terceirense é, como pudemos presenciar, um homem crítico e de posições firmadas. Não é pois de estranhar que José Baldaya continue a ser uma das vozes sonantes quando a problemática discutida é a proibição da introdução da sorte de varas nas praças açorianas. Uma medida que, no seu entender, não faz qualquer sentido e constitui um obstáculo claro ao progresso das lides taurinas da Região. A questão continua a ser amplamente falada no mundo tauromáquico, ainda que aparentemente sem efeito, já que o problema já foi discutido no parlamento regional passam já dois anos.

O herdeiro da ganadaria Rego Botelho não teme dizer, ainda assim, que permitir a realização das corridas picadas é essencial. "Os toiros aqui são lidados com três anos, são novilhos e, em todo o mundo, onde se se realizam corridas de toiros com quatro anos, lide a pé, em Espanha, França, países América Latina, em todos esses países os toiros são picados. Somos os únicos que não o fazemos e isso é um contrassenso. Nós devíamos copiar quem faz bem feito. Em Portugal faz-se ao contrário. Nós temos que fazer a seleção e fazemo-la picando as vacas. Porque não se pica, então, na praça?", questiona.

A abolição da sorte de varas no arquipélago é, entende, uma questão política sem cabimento que compromete o toureio moderno. No entanto, acredita, nada mudará enquanto não mudarem os responsáveis, os rostos políticos que travaram as corridas picadas nos Açores. "Foi-nos dito pelo presidente do Governo Regional que ele próprio levaria a questão da sorte de varas à Assembleia Regional mas, no fim, roeram-nos a corda. Houve falta de seriedade no processo", considera.

Política e tauromaquia têm-se misturado vezes demais, aliás. Não tanto em Portugal, mas em regiões como a Catalunha, que viu serem abolidas, no ano passado, as corridas de toiros nas praças locais. Um cenário que nunca poderia acontecer nos Açores, acredita o ganadeiro para quem o abolir da tourada de praça representa uma falta de democracia. "Na Catalunha a tourada é o segundo espetáculo de massas. Talvez o seja em também em Portugal, ainda que seja apreciado por uma minoria. Mas as minorias também têm direito à vida. Não faz sentido levarem uma questão como essa a parlamento", sustenta.

Numa ilha como a Terceira onde o toiro é rei e onde o número de aficionados é grande, a abolição das touradas nem é equacionável. Aqui, nem os movimentos a favor dos direitos dos animais e contra as touradas têm expressão significativa. Não como em Lisboa, por exemplo, onde José Baldaya já assistiu a algumas manifestações. Uma vez, é verdade, a praça de Angra do Heroísmo foi pintada, em forma de protesto, mas isso aconteceu de noite, tal como lembra o ganadeiro. Um sinal, talvez, da falta de força desses agrupamentos.

Nada disso impediu a ganadaria Rego Botelho de crescer e o espetáculo na Monumental do Campo Pequeno é prova disso. A corrida no próximo dia 19 de maio é, como nos dizia José Baldaya, uma aspiração antiga que só este ano viu todas as condições conjugadas para se tornar realidade. O feito vai ficar gravado nas memórias da tauromaquia, nomeadamente através do lançamento de um selo, a cargo do Núcleo Filatélico de Angra do Heroísmo. As cartas estão lançadas e, como é costume dizer-se nas lides taurinas, "que Deus reparta sorte".



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