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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Passes de uma vida de risco

Publicado a 16 de Agosto de 2011


No bilhete de identidade, o nome é Joaquim Gonçalves Lastim. No conhecimento popular, é Joaquim Burra Branca, um dos mais afamados capinhas da Terceira. Burra Branca, fica a explicação, advém do cabelo grisalho precoce.
O estatuto de capinha conquistou, desde miúdo, à conta de muitos passes à frente de toiros em praticamente todas as freguesias da ilha.
Juntamente com o pai, o então jovem Joaquim Burra Branca não falhava nenhuma toirada à corda. Situando a história no tempo, recua-se pelo menos seis décadas e fica a memória, na primeira pessoa, de uma época em que se ia aos toiros "a pé ou de carroça", porque automóveis era regalia só para meia dúzia de afortunados.
Ao fulgor próprio dos verdes anos, juntaram-se os inevitáveis desencantos da vida. O ferimento num joelho e o falecimento da mãe esmoreceram-lhe a vontade de ser capinha. O povo manifestou pena pela retirada e um aficcionado, para que Joaquim Burra Branca voltasse a ser capinha, ofereceu-lhe dois fogões primos.

Elogios só para o passado
Joaquim Burra Branca, funcionário da Casa Agrícola José Albino Fernandes há cerca de meio século, tem 80 anos de idade, tendo dado o “último passe” há três anos no Corpo Santo.
Uma coisa é certa, segundo Joaquim Burra Branca: "à saída das gaiolas, qualquer um pode brincar com o toiro", uma vez que o animal vem desorientado e quer é correr o mais possível.
A seguir, é que entra a perícia do capinha em acção. "É preciso marcar o toiro e escolher a melhor posição" - explica Burra Branca, ao mesmo tempo que tira o chapéu a capinhas do "tempo antigo" - Manuel Barrela, João Rosário, José Friza, Paulo Adura, José Chinelo, Agostinho da Fonte Bastardo, Dimas de Santa Bárbara, Prosa e Gabriel Patachon.A reverência pelo passado não tem, contudo, continuação no presente. "Não posso gabar nenhum dos capinhas actuais " - sentencia, de forma peremptória, Joaquim Burra Branca.Os argumentos para a avaliação são mais que muitos. Antigamente, os capinhas davam quatro/cinco passes com o guarda-sol, sendo que hoje são às dezenas.
No "seu tempo", adianta, os capinhas tinham a preocupação de levar o toiro à parede, investindo contra os muros dos quintais, enquanto que agora o animal não sai do meio da rua."Os capinhas trabalhavam em conjunto, defendendo o toiro. Agora, os toiros ficam tontos com tantos passes" - lamenta Joaquim Burra Branca, lançando ainda farpas à "forma descuidada" como os capinhas se apresentam nas toiradas.A indumentária correcta, no seu entender, passa por um casaco e um guarda-sol, de preferência com a cor preta.Actualmente, vê os capinhas de guarda-sóis com cores berrantes, cobertores, papelões e sacas para os passes aos toiros que já não se sentem à vontade com caminhos de alcatrão em vez dos antecedentes de terra batida.
"Fico como lume quando vejo as pessoas bater palmas porque o toiro está de pernas para o ar" - confessa o desassossego de um homem habituado a cumprir outras regras: "o toiro era para os capinhas e a corda para os pastores".
"Não vejo futuro para esta mocidade de capinhas e o povo percebe cada vez menos de toiradas" - são as conclusões de Joaquim Burra Branca, que afirma convictamente "nunca ter sentido medo do toiro".
Foi pegado umas quantas vezes e teve de ser submetido a uma delicada intervenção aos testículos. Há uns anos, na ainda freguesia das Lajes, um zeloso sub-chefe da PSP não queria dar ordem para que o primeiro toiro saísse face à presença de um idoso junto às gaiolas. O povo apercebeu-se que o idoso em questão era o Burra Branca e foi a gargalhada geral.
O toiro lá saiu e o experimentado capinha deu o show de costume. "Foi palmaria brava" - recorda Joaquim Burra Branca, homem que se namorou mas nunca chegou ao altar."As raparigas diziam que ser capinha era muito perigoso e que eu ia morrer novo. Eu ainda cá estou. Lá em cima, Deus é que sabe..." - concretiza.

Toiros, alcunhas e "Avião da Palheta"
Os toiros são conhecidos, nas ganaderias, através da atribuição de números.
Porém, e face a peripécias vividas nas toiradas, o povo não se coíbe de acrescentar algumas alcunhas.O "Alfaiate", por exemplo, pegou num alfaiate. O "Americano", a mesma coisa e o "Assassínio" ganhou nome feio por ter morto um homem.
A mais curiosa alcunha será, porventura, a de "Avião da Palheta". A história é simples: em dia de corrida em São Brás, o toiro fugiu e obrigou o ganadero, José Albino Fernandes, a mover-lhe uma perseguição, que envolveu a participação de um helicóptero.
Mesmo com um atraso considerável à mistura, o dito toiro lá marcou presença em São Brás para gáudio do povo...

João Rocha in A União
Foto: Paulo Almeida

1 comentários (Dê a sua opinião):

Fiquei feliz por vereficar que passados 5 anos ainda se publica fotos do Movimento My Name is Fair Play fotos do seu fundador Paulo Almeida.

Mas., mas... mas infelizmente tive necessidade dealertar o autor do artigo para referenciar o autor da foto uma vez que nao existia qualquer mencao a Paulo Almeida, mas como diz o ditado "mais vale tarde, que nunca"

Povo da minha querida ilha Terceira, tenho saudades nao por estar longe, mas porque um dia estivemos perto.

Paulo Almeida - emigrado nos USA desde 25 Abril de 2007

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