Diz-se que o nevoeiro antecederá a vinda do “Desejado”. Angra do Heroísmo encheu-se de bruma, um manto branco idílico que, vindo do mar, irrompeu ilha dentro a anunciar o regresso do espectáculo tauromáquico à arena da Praça de Toiros “Ilha Terceira”. Cultura para celebrar 100 anos de actividade cultural da Sociedade Filarmónica Espírito Santo da Agualva (SFESA). A cultura é assim, anda de mãos dadas, não entra em competições e não se coaduna com proibições. Tudo tem tempo, espaço e contexto próprio. Este festival teve tudo isto e, a aliciante de comportar duas estreias por estas bandas, sendo uma delas a nível nacional: David Gomes a cavalo e Michelito Lagravere apeado. O Grupo de Forcados Amadores do Ramo Grande (GFARG) aliou-se à celebração, organização, fardou-se e pegou, sendo prova viva do enlace entre diferentes formatos culturais. Muitos dos que envergam aquela jaqueta e se mostram valentes na arena, também envergam a farda da SFESA, mostrando-se músicos competentes a cada compasso.
David Gomes mostrou-se e deixou
boa nota nesta sua passagem pela ilha Terceira. Foi palmilhando terreno a cada
lide, bordando bons momentos de toureio equestre e evidenciando a sua qualidade
de equitador. Uma nota de destaque para a cravagem dos ferros compridos. O Cavaleiro
da Malveira encara-os como deve ser, como parte integrante e introdutória da
lide. Não cravou “a despachar”. Esteve correcto na cravagem dos curtos,
reduzindo a velocidade das viagens com o passar do tempo, tal como era
necessário. Cravagens a consentir e a entrar nos terrenos dos oponentes. Ficou
a sensação que faltou rematar a lide ao segundo do seu lote, parecendo que a saída
da arena para troca de montada terá sido mal interpretada pela direcção da
corrida, que deu ordem para a entrada dos Forcados. Na retina evidenciou-se a
lide com que fechou o espectáculo. Tirou partido das boas condições do exemplar
jabonero e lidou a gosto. Pecou por prolongar em demasiado a contenda, mercê do
desacerto com a cravagem do par de bandarilhas. Teve pela frente 4 exemplares
de divisas distintas: o nº 406 de Herdeiros de Ezequiel Rodrigues (ER) que se
mostrou um pouco levantado durante toda a lide, carregando pouco na reunião. Ainda
assim, não comprometeu e entregou-se à luta. O exemplar de João Gaspar (JG) nº?
não era o que estava inicialmente resenhado para o espectáculo. Este berrendo
era pequenote mas, mostrou-se codicioso andando sempre metido na lide. O
segundo exemplar de ER, nº 405, entregou-se bem à peleja. Metia a cara alta no
remate das cravagens, vindo procurar o cavaleiro. Foi ficando curto de
investida no final. O nº 96 de Rego Botelho terá sido o exemplar mais completo.
Mostrou bons modos e ligação com a montada. Aguentou uma lide prolongada
acabando, consequentemente, por lhe faltar ímpeto no final da mesma. Aguentou a
cravagem de 3 compridos e 9(!) curtos.
Michelito, após 13 anos, pisou
finalmente uma arena portuguesa. Diante do primeiro oponente teve uma lide de
entrega evidenciando recursos em qualquer um dos três tércios, no entanto, transpareceu
alguma falta de rodagem. Rompeu na sua segunda lide, mostrando os seus
predicados e a razão por ter sido considerado um menino prodígio na tauromaquia.
Andou novamente sortido com o Capote, iniciando com duas largas de joelhos. Nota
para dois dos pares cravados pelos Bandarilheiros que o acompanharam. Com a
muleta, e após provar o hastado por ambos os lados, baseou o seu toureio pelo
lado direito, explorando o melhor lado do utrero. A relembrar, duas sonoras
séries de Derechazos onde foi baixando a mão e encurtando o compasso a cada
passagem, com temple e profundidade. Sacou tudo o que havia naquele poço. Neste
debute encontrou o nº 184 da Casa Agrícola José Albino Fernandes (JAF). O bisco
entregou-se e investia de pronto. Revelou-se bruto pela direita, ainda assim
foi-se suavizando no decorrer da lide. Cortava-se por dentro pela esquerda. O
nº 8 de RB meteu-se bem na função permitindo e possibilitando o desenrolar de
uma boa lide. Melhor pela direita e saindo do trajecto pela esquerda, investiu
com boa ligação. Rachou no final.
A citar o toiro, a corpo limpo,
estiveram, pelo GFARG, Samuel Gomes que à segunda realizou uma boa pega, sendo
bem ajudado pelo grupo; Gonçalo Baptista à terceira sem dificuldade, após algum
desacerto nas primeiras tentativas; André Lourenço à primeira numa boa pega a
aguentar um derrote alto e a ficar e, a fechar, Rui Dinis com uma pega de raça,
à primeira, aguentando a fugida do toiro ao grupo.
Mário Martins dirigiu o
espectáculo, sendo assessorado por Vielmino Ventura. Abrilhantou, brilhantemente,
a banda aniversariante, a centenária SFESA. O orvalho miudinho não fez arredar pé
à meia praça forte que se registou.
Bruno Bettencourt
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