"Vamos Manel! Pega esse toiro à maneira! Mesmo levando a trincheira, não largues o toiro, hoje é o teu dia!"
Ser Forcado e efectuar uma pega, não se resume ao "simples" acto de chamar um toiro, olhos nos olhos, entregar-lhe o corpo contra a cara e o abraçar. É, com toda a certeza, o expoente máximo das metáforas alusivas à vivência humana: enfrentar a força e a dureza das adversidades, corpo a corpo, com a astúcia e a leveza da técnica, aliada à sabedoria. É feito em grupo. É organizado. É civilizacional. Se uma metáfora eleva o exemplo a um patamar superior, aí também se situam os que a protagonizam. Homens com o valor especial dos escolhidos e que levam dentro de si, em cada chamamento ou bater de palmas, toda uma humanidade que é reflectida, naquele instante. Esses Homens são coragem e medo, citam com firmeza e também choram. São estas dicotomias que os fazem ainda maiores.
O dia 19 de Julho de 2024, ficará na memória como um dos dias onde todas estas nuances foram evidentes. Foi o dia em que se despediu um dos maiores da sua geração: Manuel Pires. O toiro iniciou a viagem e, no momento da reunião, mete mal a cara. Ainda assim, o agora antigo Cabo do Grupo de Forcados Amadores do Ramo Grande, fechou-se e, com uma boa ajuda do seu grupo, concretizou à primeira a pega do seu adeus.
João Moura Caetano lidou dois exemplares de João Gaspar, de comportamento distinto. O primeiro, um toiro alto e com muitos botões, foi lidado com acerto e a procurar logo agradar a assistência. Destaque para os cites cingidos com a montada, a tirar partido do galope cadenciado do toiro. O segundo do lote de Moura Caetano tinha mais fogo e era mais colaborante. Lide a ecoar nos sectores da Monumental "Ilha Terceira", após ser encontrada uma fórmula de agrado nas cravagens. Remate das sortes com as distâncias muito curtas e destaque para o 4 ferro curto, a consentir a chegada do toiro, sem aliviar a sorte e a cilha. Saiu sob grande ovação.
David Gomes teve um lote JG complicado. O primeiro que enfrentou, foi ganhando querenças. Aos poucos, o Cavaleiro foi-lhe tirando o conforto e colocando-o na luta. Lidou a compasso e, de forma inteligente, foi levando a água ao seu moinho, tapando muitas das debilidades de comportamento do toiro. Pecou por prolongar a lide. Diante do seu segundo, voltou a mostrar muito valor, ao ponto de não se compreender o porquê de não ter o nome no grupo dos mais solicitados. Um grande lide na verdadeira definição do termo: bregas correctas, acerto na escolha dos terrenos e cravagens com a correção e seriedade exigida, sem cair na tentação de enfatizar o acessório. Terminou com um grande par a duas mãos que ia trazendo a praça abaixo.
António Ferrera regressou à ilha Terceira, local onde tem um bom número de seguidores, resultante do gosto da aficcion local por Matadores-Bandarilheiros. O exemplar de Rego Botelho não tinha condições de lide. Ainda assim, do Capote verde saíram Delantales rematados com vistosa Larga afarolada. Com a Muleta sacou sites dispersos até conseguir desenhar circulares pela direita, engachando o toiro na Muleta. Deu primazia ao oponente e assim, com uma tela que era pálida, conseguiu traçar alguns laivos de cor que foram reconhecidos pela assistência. Há momentos em que é necessário colocar a cátedra de lado e lidar com o coração. Volta merecida à arena, segunda volta dada de forma incompreensível. O segundo RB tinha melhores condições. Provou-o com o Capote de forma breve. Destaque para o bom desempenho dos Bandarilheiros da sua quadrilha. Muito correctos nas cravagens. Com a Muleta baseou a lide na mão direita, melhor lado do toiro que investia com nobreza. Recorreu à mão esquerda por uma vez, sem grande história.. Uma lide de entrega, a querer agarrar a assistência com novos circulares e com momentos de toureiro bem templados e artísticos. No início do tércio, dirigiu-se à banda para que começasse a tocar e depois para pedir um pasodoble do seu agrado... É vistoso, há quem ache graça mas, há limites que devem ser respeitados num ritual que se pretende sério. Ferrera foi capaz do melhor e do desnecessário: grande nota para a atitude de se colocar, de forma voluntária, para poder auxiliar no decorrer das pegas, como se de um Peão de Brega se tratasse. Nota desnecessária por ter forçado uma saída em ombros até à porta de quadrilhas, a reboque da saída de Manuel Pires.
Voltando ao início e ao capítulo da forcadagem, realce para as intervenções, como é tradicional, do antigo e do novo Cabo do grupo e, depois, um vislumbre da história e vitalidade do grupo: um dos mais recentes Forcados da cara e um dos veteranos fundadores do grupo.
Rui Dinis estreou-se como Cabo com uma rija pega a sesgo, à segunda, diante de um oponente que não saía e que proporcionou uma primeira tentativa duríssima com o Forcado a aguentar uma barbaridade na cara do toiro.
Gonçalo Batista fechou-se à segunda de forma valente, mostrando que nas novas gerações há Forcados de contar.
César Pires o veterano do grupo, arrancou a pega da corrida. Fechou-se com valentia e aguentou a viagem contrária do toiro que, fugindo ao grupo, o levou até às tábuas. Fechou com chave de ouro!
A corrida, que contou com mais de 3/4 de casa, foi dirigida por Ricardo Costa, com a assessoria de José Paulo Lima. Abrilhantou, de forma soberba e com o cuidado certo, a Banda Filarmónica da Associação Cultural do Porto Judeu.
Bruno Bettencourt