As touradas à corda são as verdadeiras touradas características da Terceira, com tradição própria, profundamente populares.
São gerais em toda a ilha, em freguesias quer interiores quer do litoral, quer mesmo dos arredores da cidade. As touradas de maior renome há meio século, ou talvez um pouco mais de tempo, eram as realizadas em S. João de Deus, Terra-Chã e S. Carlos; todas relativamente próximas da cidade, como explicou o falecido lavrador José da Lata; é um facto que as touradas se tenham multiplicado: touradas à beira-mar são uma invenção recente, que já se vai arreigando fortemente no espírito da população, que mobiliza barcos pequenos para se deslocar até esse ponto e deles assistir à tourada.
Em quase todos os pontos habitados da ilha há touradas; apenas as exigências da vida moderna, o tráfego rodoviário e a segurança modificaram alguns aspectos, especialmente a maneira de conduzir os touros para o local da tourada.
O gado bravo destinado a uma tourada é apartado geralmente na véspera, pelos pastores, com o auxílio de cães.
Os touros eram conduzidos na companhia de vacas alfeiras, especialmente treinadas, e que tomam o nome de vacas mestras, guiando o gado até ao curral; quando se partia para o local da tourada, à frente iam as vacas de sinal – cuja designação se explica por assinalarem a passagem dos touros – logo atrás os toiros, e finalmente os pastores e os seus cães. Os cães ajudavam a manter o gado no seu caminho certo, para não haver alguma rez que tresmalhe, isto é, mude de caminho, apartando-se do restante gado. O povo da localidade da tourada ia ansiosamente à espera do gado, mas este género de condução originava frequentes tresmalhos, que tanto podiam terminar em episódios hilariantes, como em desagradáveis surpresas com consequências funestas. Por segurança e por exigências do trânsito rodoviário, o gado passou a ser transportado em caixas de madeira, uma para cada touro, a que se chamam gaiolas, e levadas em camionetas até ao local onde se realiza a tourada.
O local onde o touro se conserva durante tourada chama-se touril. Actualmente os toiros são embolados de antemão num enjaulador, mas era costume embolá-los num caixão. Sendo a técnica sensivelmente a mesma.
A corda de uma roldana da parte superior do caixão amarra fortemente os chifres do toiro, segurando-lhe a cabeça levantada: põem-lhe então bolas de coiro ou de metal nas extremidades dos chifres. Os pastores amarram então uma corda com cerca de 50 metros ao cachaço do animal, e, fechando-se o alçapão, o touro fica pronto a sair pela frente do caixão. Para marcar a saída do toiro, lançam um foguete, como prevenção. Um foguete marca a saída, outro marca a entrada, e assim sucessivamente durante a tourada, mantendo o público avisado.
Durante a corrida, quatro ou cinco homens, pastores, pegam na corda. O touro percorre então a via pública, obrigando o povo a fugir, correndo em todas as direcções ou mesmo, se necessário for, atirando-se pelas janelas dentro...
Nestas fugas precipitadas e divertidas, nas tentativas de alguns para capear e provocar a arremetida do animal, consiste a atracção fundamental de uma tourada à corda. Os homens da corda andavam outrora mascarados, com calças brancas, boné e uma viseira que lhes ocultava a parte superior do rosto; eram chamados os mascarados da corda, e a a sua descrição é feita por Maximiano de Azevedo, em "Histórias das ilhas" de 1899. Hoje, que os mascarados foram substituídos por pastores experimentados, ainda assim é frequente chamá-los à responsabilidade por desastres ocorridos durante a corrida.
Todo o interesse da tourada está na maneira como o touro reage aos incitamentos do povo, provando-se assim se os touros são bons ou se nã prestu pr'a nada... Os pastores controlam as arremetidas do animal puxando a corda; o esticão da corda pelo qual o touro é sustido denomina-se pancada. Ser da pancada significa estar ao esticão da corda, aguentando a força do animal; os da pancada estão situados a meio da corda [...].
Apesar de todos os riscos, muitos são os que se aproximam do touro, tentando-o a arremeter. Alguns há que se tornam conhecidos por tentarem sortes à sua maneira, as quais muitas vezes se tornam tradicionais e originais: passe de guarda-sol, que consiste em abrir um guarda-sol, geralmente preto e pesadão, quando o toiro arremete, capeando-o com ele; ou ainda um passe de samarra, capeando o touro com uma samarra ou uma suera (do inglês sweater). Muitos passes se aprovisam, algumas vezes até pela necessidade da fuga, que tanto faz o herói como o desastrado. [...]
O próprio valor da tourada está na completa liberdade da acção perante o toiro, numa diversão em que todo é livre de participar:
"A arte, – diz-nos no seu completo artigo sobre as touradas o Sr. Ten. Cor. Frederico Lopes (Rev. Atlântida, Vol. VI n.º 3 Angra 1962) – resume-se na habilidade de provocar a arremetida do bicho e de se escapar depois, furtando-lhe a volta, saltando para um muro ou até ... enfiando-se por uma janela dentro, se não houver outro recurso mais fácil, pouco importando que ela esteja ocupada e da inesperada intromissão resultam incómodos ou mesmo confusões. Para a fuga todo o caminho é livre e todas as portas se abrem de boa mente para abrigar os fugitivos." [...]
Não admira que a tourada à corda marque tanto o espírito do terceirense: é o divertimento do povo, onde todos se reúnem e se irmanam pelo entusiasmo comum; e esta confraternização mantém-se mesmo para além dum distúrbio, de um palanque derrubado ou de uma porta espatifada pois o entusiasmo mantém-se inalterável de ano para ano. A tourada é o pretexto de exibição do chapéu novo, das roupas mais vistosas que caras, que o parente da América mandou, é o ponto de discussão e de intriga antes que o touro venha impor a fuga inevitável e atropeladora. É ainda o local indicado para que as jovens procurem um pretexto para namoro, exclamando – como era frequente ouvir – " Um fogo me pegue se não arranjo hoje uma genra p'ra minha mãe!..."
São gerais em toda a ilha, em freguesias quer interiores quer do litoral, quer mesmo dos arredores da cidade. As touradas de maior renome há meio século, ou talvez um pouco mais de tempo, eram as realizadas em S. João de Deus, Terra-Chã e S. Carlos; todas relativamente próximas da cidade, como explicou o falecido lavrador José da Lata; é um facto que as touradas se tenham multiplicado: touradas à beira-mar são uma invenção recente, que já se vai arreigando fortemente no espírito da população, que mobiliza barcos pequenos para se deslocar até esse ponto e deles assistir à tourada.
Em quase todos os pontos habitados da ilha há touradas; apenas as exigências da vida moderna, o tráfego rodoviário e a segurança modificaram alguns aspectos, especialmente a maneira de conduzir os touros para o local da tourada.
O gado bravo destinado a uma tourada é apartado geralmente na véspera, pelos pastores, com o auxílio de cães.
Os touros eram conduzidos na companhia de vacas alfeiras, especialmente treinadas, e que tomam o nome de vacas mestras, guiando o gado até ao curral; quando se partia para o local da tourada, à frente iam as vacas de sinal – cuja designação se explica por assinalarem a passagem dos touros – logo atrás os toiros, e finalmente os pastores e os seus cães. Os cães ajudavam a manter o gado no seu caminho certo, para não haver alguma rez que tresmalhe, isto é, mude de caminho, apartando-se do restante gado. O povo da localidade da tourada ia ansiosamente à espera do gado, mas este género de condução originava frequentes tresmalhos, que tanto podiam terminar em episódios hilariantes, como em desagradáveis surpresas com consequências funestas. Por segurança e por exigências do trânsito rodoviário, o gado passou a ser transportado em caixas de madeira, uma para cada touro, a que se chamam gaiolas, e levadas em camionetas até ao local onde se realiza a tourada.
O local onde o touro se conserva durante tourada chama-se touril. Actualmente os toiros são embolados de antemão num enjaulador, mas era costume embolá-los num caixão. Sendo a técnica sensivelmente a mesma.
A corda de uma roldana da parte superior do caixão amarra fortemente os chifres do toiro, segurando-lhe a cabeça levantada: põem-lhe então bolas de coiro ou de metal nas extremidades dos chifres. Os pastores amarram então uma corda com cerca de 50 metros ao cachaço do animal, e, fechando-se o alçapão, o touro fica pronto a sair pela frente do caixão. Para marcar a saída do toiro, lançam um foguete, como prevenção. Um foguete marca a saída, outro marca a entrada, e assim sucessivamente durante a tourada, mantendo o público avisado.
Durante a corrida, quatro ou cinco homens, pastores, pegam na corda. O touro percorre então a via pública, obrigando o povo a fugir, correndo em todas as direcções ou mesmo, se necessário for, atirando-se pelas janelas dentro...
Nestas fugas precipitadas e divertidas, nas tentativas de alguns para capear e provocar a arremetida do animal, consiste a atracção fundamental de uma tourada à corda. Os homens da corda andavam outrora mascarados, com calças brancas, boné e uma viseira que lhes ocultava a parte superior do rosto; eram chamados os mascarados da corda, e a a sua descrição é feita por Maximiano de Azevedo, em "Histórias das ilhas" de 1899. Hoje, que os mascarados foram substituídos por pastores experimentados, ainda assim é frequente chamá-los à responsabilidade por desastres ocorridos durante a corrida.
Todo o interesse da tourada está na maneira como o touro reage aos incitamentos do povo, provando-se assim se os touros são bons ou se nã prestu pr'a nada... Os pastores controlam as arremetidas do animal puxando a corda; o esticão da corda pelo qual o touro é sustido denomina-se pancada. Ser da pancada significa estar ao esticão da corda, aguentando a força do animal; os da pancada estão situados a meio da corda [...].
Apesar de todos os riscos, muitos são os que se aproximam do touro, tentando-o a arremeter. Alguns há que se tornam conhecidos por tentarem sortes à sua maneira, as quais muitas vezes se tornam tradicionais e originais: passe de guarda-sol, que consiste em abrir um guarda-sol, geralmente preto e pesadão, quando o toiro arremete, capeando-o com ele; ou ainda um passe de samarra, capeando o touro com uma samarra ou uma suera (do inglês sweater). Muitos passes se aprovisam, algumas vezes até pela necessidade da fuga, que tanto faz o herói como o desastrado. [...]
O próprio valor da tourada está na completa liberdade da acção perante o toiro, numa diversão em que todo é livre de participar:
"A arte, – diz-nos no seu completo artigo sobre as touradas o Sr. Ten. Cor. Frederico Lopes (Rev. Atlântida, Vol. VI n.º 3 Angra 1962) – resume-se na habilidade de provocar a arremetida do bicho e de se escapar depois, furtando-lhe a volta, saltando para um muro ou até ... enfiando-se por uma janela dentro, se não houver outro recurso mais fácil, pouco importando que ela esteja ocupada e da inesperada intromissão resultam incómodos ou mesmo confusões. Para a fuga todo o caminho é livre e todas as portas se abrem de boa mente para abrigar os fugitivos." [...]
Não admira que a tourada à corda marque tanto o espírito do terceirense: é o divertimento do povo, onde todos se reúnem e se irmanam pelo entusiasmo comum; e esta confraternização mantém-se mesmo para além dum distúrbio, de um palanque derrubado ou de uma porta espatifada pois o entusiasmo mantém-se inalterável de ano para ano. A tourada é o pretexto de exibição do chapéu novo, das roupas mais vistosas que caras, que o parente da América mandou, é o ponto de discussão e de intriga antes que o touro venha impor a fuga inevitável e atropeladora. É ainda o local indicado para que as jovens procurem um pretexto para namoro, exclamando – como era frequente ouvir – " Um fogo me pegue se não arranjo hoje uma genra p'ra minha mãe!..."
António M. B. Machado Pires, 1971/75
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