O sol ardente teimou em fazer-se
notar naquele dia 3 de Agosto. A ardência interior era maior, porque maior era
a vontade de entrar na Praça de Toiros de La Merced em Huelva: o ocaso iria
coincidir com o alvorecer de outros dois astros. Um mano-a-mano há muito
ansiado: José Tomás e Morante de La Puebla.
Bancadas repletas, “No hay
billetes”, apenas há emoções. As penas coloridas dos chapéus dos aguacilillos
desfilaram como resposta ao chamamento do clarim…”Aí está…vai começar!” E
começou…
A arena ganhava cor, o paseíllo era
uma paleta onde se destacavam dois tons: Framboesa de Galapagar e Caña de
Puebla del Río. À pintura uniu-se a melodia das palmas sevilhanas a ecoar nos
refúgios da cidade colombina. As cores quase se misturaram. Framboesa e Caña
apertaram mãos e saudaram aquela orquestra de almas vibrantes que os brindava.
E apareceu Tomás, e Verónicas,
Chicuelinas, Tafalleras e uma Meia-Verónica, uma Meia que foi inteira, uma Meia
completa, interminável. E veio aquele tecido que teima em lembrar a cor do sangue.
E só a flanela escarlate se movia. Aquela estátua de cabeça baixa e semblante
carregado teimava em ficar ali. As pérolas negras e possantes, investiram com
toda a sua brutalidade. E a força tornava-se calmaria, eram traços sublimes…
Respondeu Morante. A Muleta
pintou profundidade. Longas viagens. As pérolas que lhe tinham sido oferecidas
eram opacas. Tinham pouco brilho. O quadro não o satisfazia. Mas antes… antes
já tinha tocado belos acordes com aquele seu Capote inebriante. O tempo tomou
nova dimensão a cada Verónica. Havia sido ele a mostrar o tecido a Cristo...
Eram Verónicas Morantinas. E veio a dança. O ballet sevilhano das suas
Chicuelinas fez bailar os olhos a cada compasso. Era bailarino e maestro, tudo
num só…
Três cortes para o José de
Madrid, um corte para o José de Sevilha. José, o Morante, o eterno artista do Capote,
recolheu-se pelo arco menor. Esgotava-se a paleta de cores sob forte estalar de
mãos, umas contra as outras. E José, o Tomás, o Mito real, foi erguido,
carregado pelos ombros daqueles que ficaram rendidos à sua arte herdada dos
seus pares, habitantes do Olimpo. Abriu-se a arcada dos triunfadores. É por lá
que saem aqueles que receberam os louros. E viram-se lágrimas, e ouviram-se
novamente os músicos das palmas e suspirou-se…
Bruno Bettencourt
Texto publicado na Revista U, na edição nº29 de 1 de Outubro.
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