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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O Mito, o Artista e a Realidade…


O sol ardente teimou em fazer-se notar naquele dia 3 de Agosto. A ardência interior era maior, porque maior era a vontade de entrar na Praça de Toiros de La Merced em Huelva: o ocaso iria coincidir com o alvorecer de outros dois astros. Um mano-a-mano há muito ansiado: José Tomás e Morante de La Puebla.

Bancadas repletas, “No hay billetes”, apenas há emoções. As penas coloridas dos chapéus dos aguacilillos desfilaram como resposta ao chamamento do clarim…”Aí está…vai começar!” E começou…
A arena ganhava cor, o paseíllo era uma paleta onde se destacavam dois tons: Framboesa de Galapagar e Caña de Puebla del Río. À pintura uniu-se a melodia das palmas sevilhanas a ecoar nos refúgios da cidade colombina. As cores quase se misturaram. Framboesa e Caña apertaram mãos e saudaram aquela orquestra de almas vibrantes que os brindava.

E apareceu Tomás, e Verónicas, Chicuelinas, Tafalleras e uma Meia-Verónica, uma Meia que foi inteira, uma Meia completa, interminável. E veio aquele tecido que teima em lembrar a cor do sangue. E só a flanela escarlate se movia. Aquela estátua de cabeça baixa e semblante carregado teimava em ficar ali. As pérolas negras e possantes, investiram com toda a sua brutalidade. E a força tornava-se calmaria, eram traços sublimes…
Respondeu Morante. A Muleta pintou profundidade. Longas viagens. As pérolas que lhe tinham sido oferecidas eram opacas. Tinham pouco brilho. O quadro não o satisfazia. Mas antes… antes já tinha tocado belos acordes com aquele seu Capote inebriante. O tempo tomou nova dimensão a cada Verónica. Havia sido ele a mostrar o tecido a Cristo... Eram Verónicas Morantinas. E veio a dança. O ballet sevilhano das suas Chicuelinas fez bailar os olhos a cada compasso. Era bailarino e maestro, tudo num só…

Três cortes para o José de Madrid, um corte para o José de Sevilha. José, o Morante, o eterno artista do Capote, recolheu-se pelo arco menor. Esgotava-se a paleta de cores sob forte estalar de mãos, umas contra as outras. E José, o Tomás, o Mito real, foi erguido, carregado pelos ombros daqueles que ficaram rendidos à sua arte herdada dos seus pares, habitantes do Olimpo. Abriu-se a arcada dos triunfadores. É por lá que saem aqueles que receberam os louros. E viram-se lágrimas, e ouviram-se novamente os músicos das palmas e suspirou-se…

Bruno Bettencourt
Texto publicado na Revista U, na edição nº29 de 1 de Outubro.

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