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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Capinhas são quem tem mais perceção do risco

Os capinhas são os que mais perceção têm do risco que correm numa tourada à corda, mas isso não os impede de enfrentarem o toiro. As diferentes noções de risco neste cenário estão no centro de uma tese de mestrado em Engenharia do Ambiente, assinada por Carina Mendonça, no âmbito da Universidade dos Açores.
De acordo com a tese, o público é o que se sente mais seguro: "Contrariamente aos capinhas, o público é o grupo que está menos exposto ao risco, e que por sua vez percecionou riscos menos elevados, tendo havido
por parte destes uma negação de risco. Esta negação faz com que seja um grupo com perceções atenuadoras de risco, crendo-se haver aqui, uma grande influência cultural na perceção de risco das touradas à corda".
Religião e cultura são algumas das bases da coragem dos capinhas. "A perceção de risco dos capinhas parece ser afetada pela cultura, religião, baixa autoestima e valores morais e ambientais, que no seu conjunto originam comportamentos baseados na aceitação do risco. No caso das elevadas representações religiosas dos capinhas, parece haver o domínio do risco pelo sagrado. Associada à perceção de risco dos capinhas, está a valorização afetiva do animal", pode-se ler.
Carina Mendonça considera que a posição mais fácil de explicar é a do público e a mais complexa a dos capinhas. "Verificou-se que, quanto maior o grau de exposição/vulnerabilidade dos grupos ao risco das touradas à corda, maiores foram as perceções de risco. Associadas às perceções de risco mais elevadas, pareceram estar a boa visibilidade e aceitação desses riscos. O facto de haver por parte do público uma atenuação de risco, pressupõe que possam existir comportamentos, que colocam impedimentos ao curso de ações preventivas mitigadoras desse risco", sustenta a tese de mestrado.
Em conversa com o DI, Carina Mendonça resumiu: "Quanto maior é a exposição ao risco, maior perceção existe. No caso do público, por conseguir escolher o nível de exposição ao risco, provavelmente esta não é uma preocupação acentuada".
 
Ganadeiros e pastores
A tese de mestrado foca também a perceção do risco em grupos como os pastores e os ganadeiros.
"No caso dos ganadeiros, a perceção de risco pareceu ser afetada pela elevada autoestima, fatores económicos, culturais e familiares. Este grupo omite o risco e atenua o risco, a que os outros estão sujeitos. Também neste grupo se verificou a existência da valorização afetiva do animal", escreve Carina Mendonça.
Já no caso dos pastores "a cultura e a existência de uma profissão de risco, no que diz respeito à lide do touro no pasto, são fatores que parecem alterar a perceção".
Segundo Carina Mendonça "estes percecionaram riscos mais elevados, conforme estivessem mais vulneráveis a esse risco (maior perceção de risco na lide do touro no pasto, do que na lide do touro durante uma tourada a corda), havendo por parte dos pastores, uma atenuação do risco dos outros intervenientes na festa e uma amplificação do risco pessoal".
Os turistas
Carina Mendonça acredita que o forte enraizamento das touradas à corda na cultura terceirense pode levar a uma desvalorização dos perigos. "Provavelmente por isso, a informação sobre o risco físico inerente às touradas à corda seja assunto colocado para segundo plano. Refira-se, por exemplo, que a morte acidental de um turista, por falta de informação sobre o que envolve a festa, mais precisamente o risco a que se submete, poderá ter impactos muito negativos em termos de promoção turística da ilha", argumenta.
A aluna da Universidade dos Açores sustenta que, "neste contexto, uma informação de risco acoplada à visão tradicional do que a tourada oferece seria uma mais-valia para a 'festa brava' e para a promoção da ilha no estrangeiro do ponto de vista turístico, admitindo que estas atividades continuarão a ser socialmente aceites".
Estratégias
A tese de mestrado sugere várias estratégias informativas no campo do risco associado às touradas à corda. "Deve ser transmitida, essencialmente a turistas, informação que clarifique o risco inerente às touradas à corda, focando: riscos físicos (risco de morte, risco de ferimentos e risco de invalidez); riscos de perdas de bens (risco de danos em automóveis, em habitações, outros danos materiais) ou fatores que contribuem para o aumento do risco físico (desconhecimento da tradição e da opulência do touro, distração, embriaguez, ruído, pânico, lançamento de foguetes, resíduos abandonados, elevada concentração de pessoas, exposição/vulnerabilidade)", avança o texto.
Seria necessário "destacar o facto de não existirem garantias de segurança numa tourada à corda, pois apesar dos esforços dos intervenientes, todos estão perante um animal bravo, o qual é difícil de controlar".
"Essa informação pode ser veiculada pela televisão, pelos jornais, revistas, internet ou em panfletos informativos distribuídos nos limites dos arraiais num dia de tourada, oferecendo aos que desconhecem o evento a ideia do que pode encontrar numa tourada e as precauções a tomar", afirma Carina Mendonça.
Do ponto de vista da autora da tese de mestrado, "seria pertinente também estudar questões relacionadas com a valorização económica das touradas à corda e investigar a função do touro numa perspetiva de gestão e conservação da natureza".
De acordo com Carina Mendonça, a anterior falta de estudos que analisassem a perceção de risco nas touradas à corda e a importância que este fenómeno cultural tem no espaço terceirense e também açoriano conduziram à realização deste estudo.~
 

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